sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Essa que eu hei de amar

Essa que eu hei de amar perdidamente um dia
será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela,
que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela,
trazer luz e calor a essa alma escura e fria.

E quando ela passar, tudo o que eu não sentia
da vida há de acordar no coração, que vela…
E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela
como sombra feliz… — Tudo isso eu me dizia,

quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,
e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro
do poente, me dizia adeus, como um sol triste…

E falou-me de longe: "Eu passei a teu lado,
mas ias tão perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me vist
e!"
Guilherme de Almeida

domingo, 1 de agosto de 2021

Episódico

Não te conhecias
Mas passei a te acompanhar
Cada passo, cada movimento
Apreciando o momento
Que você ia me proporcionar.

Então, após indas e vindas
Semanas te assistindo
Você no palco, sorrindo
Eu na plateia, admirando cada ato teu.

Me afeiçoei aos teus encantos
Mergulhei em tuas histórias
Me emocionei com teus prantos
E comemorei tuas vitórias.

Até que, enfim,
Chegara o fim
O ciclo se encerraria
Tornando perfeita esta poesia.

Mas no ato final
Um fato inesperado
Um fato consumado
Um jugo desigual.

Porque apesar dos planos
A história tomou outro sentido
O que eu esperava, no entanto, 
Revelou-se um amor não correspondido.

Cativo

O Sol vai
A Lua vem
O primeiro leva
O que o último já tem.

Um céu só pra si
Uma imensidão ao seu dispor
Um palco preenchido com estrelas
e muito amor.

Um astro brilha
Casais se beijam
sob O Brilho da Lua
em voluptosos desejos.

E noite adentro
Ela parte
Levando consigo
toda a minha arte.

E o Sol viria
Nascendo na aurora
Vindo como outrora
Aquecendo o dia.

Se eu não estivesse, de repente,
Enleado a esse poente.

A Lua iria brilhar,
Os casais iriam se beijar,
A noite iria embora
e o Sol nasceria agora.

terça-feira, 27 de julho de 2021

Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.
Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 6 de julho de 2021

A Teia

A aranha tece a teia
Com exímio, ponto a ponto
Um projeto singular
que todos reconhecem.

Tece pacientemente
Vislumbrando o resultado
Cada ponto traçado
Forma essa obra aparente.

Após terminar, 
Espera incessante
os frutos que colherá
Em sua teia marcante.

A aranha tece a teia
Sua marca ali deixa
Quem passa e vê, tem a lembrança
A teia foi tecida pela aranha.

Partida

Tive que deixar ir 
Voar, ser livre
Dói muito o partir
Dói mais ainda prender.

Pensei que  sabia tudo
Todavia, não sei nada
Pensei até, por um minuto,
Que estavas apaixonada.

Mas um dia eu percebi
Que você ama a liberdade
Então deixei você ir
Fiquei somente com a saudade.

E hoje vejo você
Por entre as nuvens voando
O impossível alcançando
Sendo o que nasceu para ser.

Perdido

Sim, estou me perdendo
No teu sorriso,
No teu olhar.
Não me reconheço mais.

Algo em mim mudou
Me sinto diferente
Me sinto outra pessoa
Me sinto perdido.

E nisso, que esta minha vida
Fez um ato ousado:
Apesar de muita lida
Encontro-me perdidamente apaixonado.

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Coleção

Eu coleciono livros que nunca li
Moedas que jamais gastei
Amores que não vivi
Sonhos que não realizei.

Lutas que não lutei
Palavras não ditas
Oportunidades perdidas
Coisas que eu não sei.

Pôr do sol não visto
Lágrimas não derramadas
Sentimentos contidos
Atenção não dada.

Emoções nunca vividas
Mudanças não feitas
Alegrias não sentidas
Sugestões não aceitas.

Riscos não assumidos
Desafios sequer aceitos
Limites que poderiam ser rompidos
Se eu tivesse pelo menos feito.

Músicas não cantadas
Poesias não escritas
Telas não pintadas
Fotos não tiradas.

Danças que poderia ter dançado
Filmes que poderia ter assistido
Dias não trabalhados
Outros, além do permitido.

Coleciono esperanças
Coleciono momentos
Coleciono lembranças
Coleciono sentimentos.

Como poeta que sou
Também coleciono versos
Que conforme estou
São conversos.

quinta-feira, 3 de junho de 2021

Inconstante

O universo é um leque de opções
Imergido nas infinitas realidades
Ora sou presente
Ora serei saudade
Ora fui lembrança 
Também já fui esquecido
Fui criança 
Também homem vivido
Ora eu sou
Ora eu estou
Sou poeta
Também poesia.

Como você me ver
Descreve como estou
Caso queiras saber quem sou
Terás que me ler.
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Cecília Meireles